O curioso conflito das clarissas que levou ao encerramento definitivo do seu mosteiro é tema do artigo de opinião de Silke Buss. É o 38.º artigo da coluna “Prevenção e Mediação de Conflitos” na Vida Económica e saiu na edição de 23 de agosto de 2024.

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Prevenção e Mediação de conflitos
Como o silêncio das clarissas levou ao fecho do seu mosteiro

Em agosto, o Vaticano decidiu encerrar um mosteiro. A causa é surpreendente: um conflito irresolúvel. O caso das clarissas de Bautzen, na Alemanha, interessa aqui por duas razões: primeiro, porque mostra que conflitos são naturais e afetam todas as partes da sociedade e, segundo, porque confirma que os princípios da mediação são, de facto, indispensáveis. Quando as pessoas estão interligadas por relações sociais saudáveis, costumam conseguir resolver os seus conflitos. Curioso é que as freiras tenham falhado até na mediação. Seria de esperar que a sua fé e formação religiosa as tornariam personalidades compreensivas e altruístas, orientadas para o bem-estar das outras irmãs. Seria mesmo de esperar? Quando li uma notícia sobre o encerramento do mosteiro, lembrei-me logo da disciplina do silêncio das clarissas. Em jovem interessei-me por ordens católicas e estudei algumas. As clarissas fascinaram-me pela negativa. Como seria uma vida sem conversar, debater opiniões, partilhar ideias e emoções? Como criar relações saudáveis quando a comunicação é vedada? Já lá vamos. Primeiro o caso!

Durante um século viveram clarissas no mosteiro de Bautzen. As últimas oito tiveram de sair até ao dia 10 de agosto. A Santa Sé decidiu fechar o convento devido às profundas divergências irresolúveis das freiras. O que será que está em causa no conflito? Reclusas do mundo fora, as oito clarissas rezam e permanecem em silêncio. As únicas pessoas que falam sobre o conflito são as externas que tentaram ajudar. Em dezembro passado, Roma nomeou um padre para apoiar as irmãs a ultrapassar a crise que se arrastava há mais de dez anos. Johannes Müller explicou aos media que as freiras viviam em quartos bastante apertados e pobres, condições onde emoções se podiam facilmente inflamar. Como assim? Outros argumentos que o padre apresentou parecem igualmente estranhos: que as freiras não tinham dinheiro e que tinham de pedir cada euro à superiora, que interpretavam a estrita pobreza de forma diferente e que algumas queriam ter mais tempo livre e ir de férias. Não foi a vida que escolheram?

Na base das escassas informações, a minha leitura é essa: Trata-se de um conflito clássico entre forças progressivas e conservadoras numa comunidade. Todas as mulheres tinham optado pela ordem das clarissas com as suas exigências arcaicas, mas algumas ficaram insatisfeitas. Essas irmãs poderiam ser ouvidas e acompanhadas pelas outras para aguentarem melhor a vida como clarissa, se não existisse essa disciplina de silêncio. A falta de comunicação em qualquer comunidade – família, grupo de trabalho, equipa desportiva, etc. – é um terreno propício para criar e cultivar conflitos. A razão: Não há esclarecimento, mas especulações, teorias e suspeitas.

A comunicação franca e a confidencialidade são princípios fundamentais da mediação. É perfeitamente possível realizar uma mediação de grupo, mas tem de haver comunicação. Por isso, o mediador Rainer Klan teve uma missão completamente impossível no caso das clarissas de Bautzen.

Uma triste nota final: Clara de Assis (1193 – 1253), a fundadora da ordem, tinha como ideal viver em total pobreza. A disciplina do silêncio foi imposta pelo Papa Inocente IV para fechar as freiras atrás dos muros do mosteiro, como criticou a própria Clara, e evitar que fossem missionárias como os monges.